terça-feira, junho 30, 2009

Morte

Solitária em vida, solitária na morte, assim posso descrever a minha querida Tia Lusa. Pessoa pequena, discreta e sempre dedicada ao seu marido, atravessou esta vida, solitariamente e assim estava hoje quando fui despedir-me dela. Estava serena na sua urna, acompanhada duma única pessoa, que rezava e se despedia dela. Guardo boas recordações da minha Tia, mas sempre foi uma pessoa distante e com a sua própria vida e solidão. Tinha um carinho muito especial por ela e pela sua necessidade de atenção e carinho, porque sempre atravessou a vida, mais preocupada com o seu marido e o irmão, do que com ela mesma e assim foram os anos da sua vida, infelizmente sem o apoio de filhos. Os muitos sobrinhos eram queridos, mas sempre no seu lugar e sem grande convívio.
Sempre me fez impressão a Morte e este cerimonial de despedida é algo que me deixa um grande incómodo e tristeza, precisamente pelo seu cinzentismo e envolvência. Acho que estes momentos deviam ser doutra forma, mais "alegres", para deixarem uma recordação melhor nos que cá ficam. Se acreditamos que a morte não é mais do que a passagem para outro estado e que junto do Senhor ou em transição para outra vida, continuamos presentes, então transformemos estas cerimónias em algo mais digno e bonito. Por isso, gostei tanto do funeral do meu Pai, que foi tão bonito e digno, atestando a pessoa que ele era e aquilo que nós somos.
E nestes casos de solidão, ainda mais impressão me faz encontrar uma urna sozinha e abandonada na capela, sem entes queridos e sem conversas acerca da pessoa que partiu. parece que não deixa marcas, nem teve um percurso próprio, mas a verdade é que encarar a morte é sempre difícil. Para o irmão e cunhado, que de mais perto com ela lidaram, é a perda de mais uma pessoa próxima que lhes faz lembrar a perenidade da vida, bem como a própria morte e para os restantes, sobrinhos incluídos, é a partida de mais uma Tia, muito querida, mas pouco presente no seu quotidiano. É triste, mas é a verdade e não deixo de ficar triste por não poder estar presente no funeral, mas infelizmente não posso mais uma vez deixar o consultório.
Assaltam-me muitas imagens da minha Tia, mas todas elas relacionadas com as visitas breves que lhes fazíamos no dia 24 de Dezembro, que passavam sozinhos em casa sem quererem sair e estar com o resto da família. Nessas alturas, tinha sempre um sorriso e um bolo para comermos, mas tinha também presente a tristeza de não passar o Natal em família. Tenho a certeza de que foi uma pessoa pouco feliz, tanto mais que não teve a felicidade de ter filhos e a sua vida foi sempre feita em função do marido e também do irmão. Será suficiente para dar algum sentido à vida ou será preciso mais vidas para completar o seu ciclo e poder ser uma pessoas completamente iluminada e realizada ?
Faltam dois dias para o Pedro vir do Brasil, terminando assim o seu estágio e permanência no Rio e estou ansioso para o ver e estar com ele. Estas semanas irão passar a correr e daqui a três semanas, já estará em Marbella para iniciar mais um ano de curso, a caminho da sua vida e realização pessoal e profissional.
E termina mais um mês e mais uma vez estão cumpridos os objectivos, apesar da crise e dos dias de férias e de desmarcações. Tudo se vai compondo e encaixando, mas não deixa de causar stress este dia a dia, em que temos quase sempre a sensação de que as coisas não correm bem e que cada vez mais há menos trabalho. Mas chegada a altura do balanço, tudo parece estar bem e felizmente que continuamos num bom ritmo e progressão. Apenas falta a integração completa do pessoal e a estabilidade do mesmo, mas mais uma vez tenho que pensar se essa mesmo instabilidade não é devida também à minha própria instabilidade e falta de vontade em trabalhar, que tantas vezes me acompanha. Adorava partir para outra, mas não vejo para onde e sobretudo como mudar de rumo neste momento, sem ter ainda as bases financeiras devidamente estruturadas. Estou a tratar disso e até ao fim de Julho vou dar mais um passo no sentido de reestruturação de contas, de bancos e ficar mais leve de encargos, de modo a poder daqui a uns poucos anos estar então definitivamente livre de quaisquer encargos e poder encarar então a vida doutra forma. Tanto mais que penso também este ano arrumar "de vez" a questão do consultório, com a negociação do acordo com o meu colega. Assim espero que seja, para então poder mesmo planear a minha vida e daqui a uns 5/6 anos estar já em plena pré-reforma e em preparação doutro rumo profissional ou ocupação. Quero mesmo MUDAR....
Neste último dia de Junho, com o pensamento na minha querida Tia Lusa, estou com ela para onde ela for, na certeza de que a sua vida teve, certamente, uma finalidade e um objectivo. Ela fará sempre parte da minha vida e terá sempre um lugar muito especial no meu coração ou se acharmos que a alma está no cérebro, então ela terá lá uma gavetinha.
Um grande SORRISO para a minha Tia e muita PAZ e HARMONIA para o dia de hoje

2 comentários:

Anónimo disse...

Boa noite Dr. Luis,

Lamento a perda da sua tia, o sentimento de perda e vazio é sempre algo que nos deixa angustiados e que nos faz reflectir acerca do nosso percurso de vida e a forma como a devemos absorver a cada dia que passa, valorizando acima de tudo aquilo que de melhor temos : filhos, família, trabalho, amigos, etc.
Mudando de tema...quem me dera poder fazer das coisas que mais gostei e trabalhar num consultório dentário...era francamente bom!...um grande SORRISO e que o dia de amanhã seja menos nostálgico.

Ivo Afonso disse...

Meu caro amigo:

Antes de mais os meus mais sentidos pêsames pela tua perda. Independentemente de se tratar de uma pessoa mais ou menos próxima, não deixa de ser uma perda e uma sensação de vazio que se instala dentro de nós. Mas como bem sabes tudo passa e as boas recordações prevalecem nesse lugarzinho especial do coração (ou na tal gavetinha no cérebro) sendo estas, uma relíquia sem preço porque representam a marca que quem nos deixa semeou neste mundo.

Concordo contigo quando falas do “ritual da morte”, geralmente cinzento e triste, mas como seres imperfeitos e egoístas que somos, penso que não nos conseguimos separar da sensação de perda e vazio e como tal torna-se difícil encarar o momento com alguma “alegria”. No entanto a morte não é mais do que uma passagem que quem nos deixa efectua para outra dimensão (ou outro estado como dizes) e como menciono acima, as lembranças são a essência dessa pessoa e é essa marca que fica no nosso mundo.

Todos estamos neste plano de existência por alguma razão e com um objectivo. Nem todos são afortunados por saberem ou conseguirem descobrir esses objectivos e razões, mas no fundo acredito que quando o nosso percurso termina pelo menos uma parte terá sempre sido cumprida: as memórias da nossa existência, que deixamos em quem nos acompanhou nesta aventura que é viver serão, no mínimo, uma parte desse objectivo.

Grande abraço.

P.S. – Continua o teu percurso de evolução e auto-descoberta, independentemente de por vezes, poder ser difícil para ti próprio e para os que te rodeiam. Iniciaste um caminho que não deverás interromper porque, provavelmente será ai que vais descobrir as respostas para a tua necessidade de mudança de vida. Não te deixes ir abaixo pelo facto de, por vezes, os outros não perceberem a tua evolução como ser vivo e espiritual, porque existe sempre resistência à mudança e para alem disso todos necessitam do seu tempo para a encarar.

Por fim deixo-te uma pergunta porque me parece pertinente à luz do que escreves-te anteriormente:

Será que, nesta busca incessante de evolução que todos nós procuramos, em certas e determinadas situações, são os outros que “permanecem com os nossos registos passados e antigos e não têm a capacidade (parcial ou total) de absorver os nossos novos registos” ou pelo contrario, será que somos nós que por uma fracção de tempo voltamos aos nossos “antigos registos refugiando-nos em arquétipos passados e no nosso EU anterior”?

Talvez te esteja a parafrasear mas parece-me uma questão em relação à qual todos nos deviamos debruçar.