Há dias "terríveis" de consultório em que, pela lei do acaso existente, as desmarcações se sucedem umas às outras... nunca gostei de trabalhar aos bocados, por perder o fio à meada e o interesse nas consultas. Se não fosse estar a recuperar muitos doentes que há muito não iam à consulta e que estão a voltar, ter-me-ia ido embora.
Em especial adorei o regresso duma doente, cuja família conheço há mais de 30 anos, e que por circunstâncias várias, começou a ser visto por um "mecânico" e curioso que, ilegalmente lhe foi reparando umas coisas... como o marido desta senhora estava bastante perturbado mentalmente, não se apercebeu da situação que felizmente agora está devidamente regularizada.
Gosto mesmo de recuperar antigos doentes, por ganhar confiança e perder a sensação de abandono e traição que sinto sempre que isto acontece e, muitas vezes, sem quaisquer motivos válidos e perceptíveis. Fico sempre com uma enorme dor e raiva.
Ontem também me apercebi que os processos de transferências que todos nós fazemos têm a sua lógica e podem justificar as nossas reacções e actuações perante as situações e os factos. Tive a consciência de que perante certas afirmações ou sentir que se estão a vitimizar, remeto para padrões de comportamento que fizeram parte dos meus registos desde sempre.
Nestes casos, a minha reacção é bastante negativa e intensa precisamente por causa disso, para além de que nestes últimos dias houve várias campainhas que tocaram a rebate em simultâneo e trouxeram à superfície imensa coisa duma vez só e muito rapidamente.
Sempre me interroguei dos motivos porque nós juntamos a esta ou aquela pessoa e não a outra, porque para mim é evidente que apenas a Amizade ou as parecenças não são suficientes para cimentar uma amizade ou uma relação afectiva. Tem que haver algo mais e pode ser que sejam "apenas" estes processos de transferência ou de processos inconscientes importantes que nós levam a escolher determinado tipo de pessoa ou relação.
Neste momento e ontem, tive a plena convicção de que estava a reviver a vitimizacão, a culpa, o constante regresso ao passado, ao predador masculino e ao inocente feminino. Foram papéis que me acompanharam durante anos e que vou tendo, agora, a consciência disso mesmo... dai talvez a minha reacção excessiva a determinadas atitudes ou comentários.
Também ontem fui jantar com a minha maninha que, neste momento, atravessa uma "pequena" crise existencial com algumas dúvidas e muitas interrogações acerca do papel que cada um de nós tem nesta vida e neste presente. O curioso é que, entre nós os dois, há muitas semelhanças nas dúvidas, na forma de ver certas coisas, no sentido das coisas, das necessidades especiais de afecto e carinho e ainda no querermos ser surpreendidos e acarinhados duma forma especial e diferente da habitual.
Fiz-lhe a mesma pergunta que me faço muitas vezes... será que estamos a exigir demasiado duma pessoa em particular, cujas limitações conhecemos ou será que queremos a mudança de algo que sabemos não ser realista ?
Estamos a projectar noutra pessoa o que somos e queremos ou devemos aceitar o que o outro tem para dar e igualmente aceitar a sua forma de ser e estar. Não somos pessoas fáceis de lidar, nem de estar visto que por "deformação" familiar e por contactos negativos, somos levados muitas vezes a pensar duma forma enviesada e até não coincidente com a realidade existente.
Aprendemos até a desconfiar de coisas simples e a complicar o que não deve ser complicado, mas a fonte dessas atitudes é a mesma para nós os dois e, pela força e intensidade dessa mesma fonte, temos ( devemos) fazer uma reflexão séria e intensa acerca do muito que nos vai acontecendo e marcando na actualidade.
Tudo isto para dizer que somos pessoas complicadas e difíceis, não sendo muito fácil conviver connosco até pela nossa imprevisibilidade e exigência de querer para além do que é possível e por vezes querermos à nossa maneira, sem o explicitarmos pelo que a outra parte não pode adivinhar como o queremos. Também nos temos de perguntar se conseguimos ver para além da evidência e atingir a outra ou outras pessoas da forma que eles gostam ou querem. Quando se é mais linear e simplista, é bastante mais fácil do que quando se tem tantos "curto-circuitos" neuronais e tantas gavetas entreabertas que vão despejandoo seu conteúdo para cima de nós e da nossa forma de estar.
Tudo isto para dizer que a nossa própria identidade se pode compor diariamente, mesmo sendo necessário desconstruir algumas coisas e adaptá-las a novas realidades ou ao que vamos descobrindo; o que temos nas tais gavetas é de tal forma importante e condicionante do nosso comportamento que o despejar do existente tem que ser feito duma forma gradual e constante para que não entremos em "parafuso" com o muito que desconhecemos ter dentro de nós.
Ainda me encontro a digerir e a tentar entranhar muito do que aconteceu nesta semana e nestes dias, porque sinto que foi uma autêntica revolução que houve e dai a necessidade de deixar poisar estes factos, emoções e acontecimentos para os poder entranhar, compreender e reagir em conformidade. Neste momento ainda existe muita raiva e alguma dor que tento controlar e sobretudo dominar com um grande SORRISO, que ajuda sempre a melhorar tudo e a fazer-nos mais Felizes e preparados para a vida.
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