sexta-feira, abril 11, 2014

Momentos

Há dias "terríveis" de consultório em que, pela lei do acaso existente, as desmarcações se sucedem umas às outras... nunca gostei de trabalhar aos bocados, por perder o fio à meada e o interesse nas consultas. Se não fosse estar a recuperar muitos doentes que há muito não iam à consulta e que estão a voltar, ter-me-ia ido embora.
Em especial adorei o regresso duma doente, cuja família conheço há mais de 30 anos, e que por circunstâncias várias, começou a ser visto por um "mecânico" e curioso que, ilegalmente lhe foi reparando umas coisas... como o marido desta senhora estava bastante perturbado mentalmente, não se apercebeu da situação que felizmente agora está devidamente regularizada.
Gosto mesmo de recuperar antigos doentes, por ganhar confiança e perder a sensação de abandono e traição que sinto sempre que isto acontece e, muitas vezes, sem quaisquer motivos válidos e perceptíveis. Fico sempre com uma enorme dor e raiva.
Ontem também me apercebi que os processos de transferências que todos nós fazemos têm a sua   lógica e podem justificar as nossas reacções e actuações perante as situações e os factos. Tive a consciência de que perante certas afirmações ou sentir que se estão a vitimizar, remeto para padrões de comportamento que fizeram parte dos meus registos desde sempre.
Nestes casos, a minha reacção é bastante negativa e intensa precisamente por causa disso, para além de que nestes últimos dias houve várias campainhas que tocaram a rebate em simultâneo e trouxeram à superfície imensa coisa duma vez só e muito rapidamente.
Sempre me interroguei dos motivos porque nós juntamos a esta ou aquela pessoa e não a outra, porque para mim é evidente que apenas a Amizade ou as parecenças não são suficientes para cimentar uma amizade ou uma relação afectiva. Tem que haver algo mais e pode ser que sejam "apenas"  estes processos de transferência ou de processos inconscientes importantes que nós levam a escolher determinado tipo de pessoa ou relação.
Neste momento e ontem, tive a plena convicção de que estava a reviver a vitimizacão, a culpa, o constante regresso ao passado, ao predador masculino e ao inocente feminino. Foram papéis que me acompanharam durante anos e que vou tendo, agora, a consciência disso mesmo... dai talvez a minha reacção excessiva a determinadas atitudes ou comentários.
Também ontem fui jantar com a minha maninha que, neste momento, atravessa uma "pequena" crise existencial com algumas dúvidas e muitas interrogações acerca do papel que cada um de nós tem nesta vida e neste presente. O curioso é que, entre nós os dois,  há muitas semelhanças nas dúvidas, na forma de ver certas coisas, no sentido das coisas, das necessidades especiais de afecto e carinho e ainda no querermos ser surpreendidos e acarinhados duma forma especial e diferente da habitual.
Fiz-lhe a mesma pergunta que me faço muitas vezes... será que estamos a exigir demasiado duma pessoa em particular, cujas limitações conhecemos ou será que queremos a mudança de algo que sabemos não ser realista ?
Estamos a projectar noutra pessoa o que somos e queremos ou devemos aceitar o que o outro tem para dar e igualmente aceitar a sua forma de ser e estar. Não somos pessoas fáceis de lidar, nem de estar visto que por "deformação" familiar e por contactos negativos, somos levados muitas vezes a pensar duma forma enviesada e até não coincidente com a realidade existente.
Aprendemos até a desconfiar de coisas simples e a complicar o que não deve ser complicado, mas a fonte dessas atitudes é a mesma para nós os dois e, pela força e intensidade dessa mesma fonte, temos ( devemos) fazer uma reflexão séria e intensa acerca do muito que nos vai acontecendo e marcando na actualidade.
Tudo isto para dizer que somos pessoas complicadas e difíceis, não sendo muito fácil conviver connosco até pela nossa imprevisibilidade e exigência de querer para além do que é possível e por vezes querermos à nossa maneira, sem o explicitarmos pelo que a outra parte não pode adivinhar como o queremos. Também nos temos de perguntar se conseguimos ver para além da evidência e atingir a outra ou outras pessoas da forma que eles gostam ou querem. Quando se é mais linear e simplista, é bastante mais fácil do que quando se tem tantos "curto-circuitos" neuronais e tantas gavetas entreabertas que vão despejandoo seu conteúdo para cima de nós e da nossa forma de estar.
Tudo isto para dizer que a nossa própria identidade se pode compor diariamente, mesmo sendo necessário desconstruir algumas coisas e adaptá-las a novas realidades ou ao que vamos descobrindo; o que temos nas tais gavetas é de tal forma importante e condicionante do nosso comportamento que o despejar do existente tem que ser feito duma forma gradual e constante para que não entremos em "parafuso" com o muito que desconhecemos ter dentro de nós.
Ainda me encontro a digerir e a tentar entranhar muito do que aconteceu nesta semana e nestes dias, porque sinto que foi uma autêntica revolução que houve e dai a necessidade de deixar poisar estes factos, emoções e acontecimentos para os poder entranhar, compreender e reagir em conformidade. Neste momento ainda existe muita raiva e alguma dor que tento controlar e sobretudo dominar com um grande SORRISO, que ajuda sempre a melhorar tudo e a fazer-nos mais Felizes e preparados para a vida.

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